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Folha de São Paulo

15 de julho de 2019

Carlo Ratti e Philip Yang

Ruptura tecnológica permite repensar as cidades

Não nos iludamos. A revolução tecnológica em curso põe no horizonte próximo engenhosidades como drones para o transporte de pessoas e cargas, veículos autônomos e todas as possibilidades de compartilhamento desses artefatos. 

Mas a verdadeira revolução urbana advirá menos das inovações do transporte individual e muito mais da maneira como distribuímos e organizamos os espaços das cidades.

Por mais fascinantes que sejam as imagens de carros voadores e sem motoristas, o transporte coletivo continuará a responder por parte substancial da demanda por viagens do dia a dia, tanto pelas limitações de capacidade de fluxo das soluções individuais como por questões de custo. 

Leis da física e da economia nos fazem presumir que transportes individuais tenderão sempre a apresentar custos ambientais, territoriais e financeiros maiores do que as alternativas coletivas de alta capacidade.

Por outro lado, a revolução digital se aprofunda e descortina um sem número de possibilidades de otimização e reaproveitamento do uso do solo, inclusive do espaço hoje utilizado extensivamente pelo sistema viário. 

 

Estudos de engenharia demonstram, por exemplo, que a gestão inteligente de fluxos de tráfego pode quadruplicar a capacidade de avenidas. E as cidades necessitarão cada vez menos de espaços de garagem. Sem compartilhamento, carros passam 96% do tempo estacionados. Com o advento de veículos autônomos, aliado a tecnologias de partilha, 70% dos espaços urbanos ocupados por estacionamentos poderão ser destinados a outros usos.

 

As cidades devem, portanto, consumir menos espaço e dinheiro com o alargamento de avenidas e garagens. Ao contrário, devem empreender esforços para refletir como as suas redes viárias, otimizadas pelo mundo digital, podem dar lugar a novas funções. 

 

Paris, por exemplo, empreende hoje uma grande reflexão sobre o futuro dos 35 km de seu anel viário e a conclusão é clara: menos asfalto em ruas e mais silício em inteligência podem dar espaço, lá como também aqui em nossos 46 km de marginais, a hortas urbanas, parques, painéis de geração de energia e habitações próximas a locais de empregos.

 

Em grande medida, a história do espaço urbano de São Paulo no século 20 é a história da invasão dos carros na cidade. Sem que nos déssemos conta, sucumbimos à enorme utilidade, conveniência e economicidade aparente trazidas pelos automóveis. Privilegiamos a criação de espaços para os carros em detrimento de espaços para as pessoas. Sem pensarmos em consequências de longo prazo, fomos sendo paulatinamente sufocados pelo trânsito, pela poluição, pela ineficiência de nossas artérias viárias entupidas.

São Paulo tem 17 mil km de vias, que ocupam mais de 150 milhões de metros quadrados e dão lugar a cerca de 3 milhões de vagas de estacionamento nas ruas. No âmbito imobiliário, estima-se que aproximadamente metade da área útil total foi devotada a garagens. O momento agora deve ser de reconquista desses espaços ocupados pelos carros.

 

Felizmente, graças a uma combinação de inovações tecnológicas e medidas regulatórias que desincentivam a construção de garagens, a população passa a aderir a outros modais de transporte, coletivos ou compartilhados, elétricos ou ativos, que demandam novos produtos imobiliários e redes viárias mais eficientes e seguras. 

 

As redes de média e alta capacidade ganham corpo na cidade, ainda que mais lentamente do que desejamos. Ciclovias são crescentemente populadas por patinetes e bicicletas, ao tempo em que apartamentos sem garagens constituem —graças também a soluções de micromobilidade— a nova coqueluche do mercado.

 

O momento é de rupturas tecnológicas que abrem a possibilidade de repensarmos o desenho das cidades. No paradigma metacarro que emerge, caberá a todos nós —mercados, governos e sociedade— decidir se aplicamos as tecnologias para espraiar o meio urbano e destruir mananciais ou se geramos cidades compactas, economicamente mais funcionais, ambientalmente saudáveis e socialmente mais justas.

Carlo Ratti

Professor de planejamento e tecnologias urbanos e diretor do Senseable City Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês)

Philip Yang

Mestre em administração pública pela Universidade Harvard e fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole)

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