31/03/2018
O Estado de S. Paulo
Lançamentos trazem a história dos edifícios, estudo da obra do arquiteto Adolf Franz Heep e ensaio fotográfico de Juan Esteves
O acervo arquitetônico do centro de São Paulo inventariado em três livros recentemente lançados surpreende até mesmo os iniciados no assunto. Dois deles, publicados pela editora Monolito, são essenciais para reavaliar a importância de projetos modernos que marcaram definitivamente a feição da metrópole: Arquitetura do Centro de São Paulo e Adolf Franz Heep: Um Arquiteto Moderno. Um terceiro, Campos Elíseos – História e Imagens, com um ensaio fotográfico de Juan Esteves e texto de Antonio Carlos Suster Abdalla (Cult Arte/Instituto Porto Seguro), concentra-se no passado da cidade, num bairro que ainda preserva edificações do período pré-modernista e testemunhou a verticalização do centro.
Sendo o principal espaço simbólico da cidade, como acentua no primeiro livro Philip Yang, presidente do Urbem, o centro histórico experimenta uma nova tentativa de revitalização, tentando superar os inúmeros problemas decorrentes da moderna experiência urbana – da violência à degradação ambiental. Houve, porém, uma época em que entraram na arena arquitetos dispostos a criar uma cidade mais humana e bonita. O nome do arquiteto Adolf Franz Heep, cuja obra é estudada no livro de Marcelo Barbosa, é apenas um deles.
Heep é um nome associado a projetos gigantescos como os do edifício Itália (1953). A exemplo dele, outros arquitetos referenciais como Oswaldo Bratke, Rino Levi, Vital Brazil, Vilanova Artigas, Jacques Pilon, Artacho Jurado, Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha são estudados em Arquitetura do Centro de São Paulo, talvez o mais ambicioso levantamento do acervo arquitetônico da metrópole publicado até o momento.
Seus autores não evitam temas polêmicos, como a introdução no centro de exemplos da arquitetura fascista – sendo o mais notável a sede da Prefeitura, o edifício Matarazzo, projetado pelo italiano Marcello Piacentini, o predileto do ditador Mussolini. Lembram que modernistas como o escritor Mário de Andrade consideravam o prédio um “tumor fascista” – o projeto é dos anos 1930, mesma década em que começou a ser construído um dos mais belos edifícios do centro, o Esther (1936), assinado por Vital Brazil. Na época de sua inauguração (1938), o Esther foi recebido com estranheza pelos moradores da cidade, ainda tentando se recuperar do susto modernista provocado pelas casas de Warchavchik e Flávio de Carvalho.
Janelas horizontais e o teto-jardim, observam os autores de Arquitetura do Centro de São Paulo, foram apenas duas inovações introduzidas por um jovem Vital Brazil (25 anos) no Esther, a joia arquitetônica da Praça da República, coração do centro onde também está localizado o Hotel Excelsior projetado por Rino Levi, um dos mais conhecidos entre os arquitetos estudados no livro. Ao lado do representante da escola paulista de arquitetura moderna, outro nome associado à renovação de São Paulo, o alemão Franz Heep, é analisado por meio de vários projetos assinados em parceria, sendo um dos mais conhecidos a antiga sede do Estadão.
Heep entrou no Brasil com passaporte falso, aos 45 anos, após passar pela França e trabalhar com Le Corbusier. No livro de Marcelo Barbosa, o autor conta que sua passagem pelo escritório do arquiteto suíço, naturalizado francês, foi traumática (seu nome foi apagado dos registros da empresa). Heep resistiu a tudo. Casado com uma checa de origem judaica (levada a um campo de concentração), foi preso na França, mas, ao chegar ao Brasil, sua sorte mudou. Em 1953, quando o edifício Itália nasceu, ao seu lado outro ícone arquitetônico foi concebido dois anos antes por Oscar Niemeyer.
Heep é festejado por outros belos projetos como os edifícios Lugano e Locarno (dois prédios gêmeos concebidos em 1958 e concluídos em 1962). Localizados na avenida Higienópolis, eles têm como diferencial as fachadas voltadas para uma praça interna, a pouca distância de um prédio também assinado por Heep em 1953, o Lausanne.
O conflito entre as formas modernas desses edifícios com a cidade real era enorme numa época (os anos 1950), em que o Brasil tentava se livrar de uma visão conservadora e do passado colonial, abraçando projetos arrojados, dos quais o Copan, projetado por Oscar Niemeyer em 1952, talvez seja o exemplo mais eloquente. Num ensaio escrito por Rodrigo Queiroz, a questão autoral é levantada para destacar a ousadia formal de Niemeyer ao optar pela lâmina curva que deriva nem tanto da ordem geométrica, mas do gesto, do “movimento da mão”, como frisa o arquiteto.
Da mesma época, mas não tão estudado, é o conjunto Cícero Prado (1953) do ucraniano Warchavchik (naturalizado brasileiro), o principal nome da primeira geração de modernistas do País. O livro Arquitetura do Centro de São Paulo, uma parceria do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (Urbem) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) com outras entidades, resgata, enfim, uma história que tem casos curiosos como o do arquiteto autodidata Artacho Jurado, filho de um anarquista que se tornou o realizador dos sonhos hollywoodianos da alta burguesia paulistana, ao assinar alguns dos edifícios mais disputados de Higienópolis (como o Cinderela).
O que Higienópolis significa hoje, Campos Elíseos representou no passado com suas ruas e alamedas que abrigam as casas da elite cafeeira, primeiro bairro aristocrático da cidade. Seu processo de degradação é analisado em Campos Elíseos – História e Imagens pelo crítico e curador Antonio Carlos Suster Abdalla não só como decorrente da omissão das administrações municipais e da “insaciável’ busca pelo novo. Abdalla tem uma ousada tese: os modernistas históricos, iconoclastas por vocação, “atacaram de forma virulenta manifestações arquitetônicas como a neoclássica, a art nouveau e a art déco.” O que restou disso: o estilo neocolonial. O fotógrafo Juan Esteves foi atrás daquilo que sobrou de belo nos Campos Elíseos, do Parque Savóia ao Palacete Momo, passando pelo Theatro São Pedro. Registrados em seu esplendor.