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Por que São Paulo é a Nova York de 40 anos atrás

29/07/2017

Alexandros Washburn e Philip Yang

Nexo Jornal

Norma de planejamento urbano ajudou no desenvolvimento da cidade americana e agora pode ser o caminho para a dinamização da capital paulista

 

 

São Paulo é a Nova York dos anos 1970. A cracolândia, os Campos Elíseos, a Vila Leopoldina e outros bairros centrais vivem os mesmos problemas com crime, drogas, moradores de rua e prostituição que Times Square, Bowery e Hell’s Kitchen experimentaram 40 anos atrás.

 

Os conflitos e a desesperança que marcam a vida urbana paulistana hoje são idênticos à violência e desalento que tomavam conta dos nova-iorquinos, naquele que terá sido um dos mais sombrios e perigosos períodos da história da Big Apple.

 

Haveria algum sinal de que São Paulo pode seguir o mesmo caminho de recuperação que Nova York trilhou a partir do final da década de 1970, num processo que revigorou a qualidade de seus espaços públicos e a trouxe de volta à condição de cidade das mais vivas e dinâmicas do planeta? Acreditamos que sim – e a resposta pode ser encontrada em uma norma de planejamento urbano.

 

Em 1975, Nova York estabeleceu uma ferramenta regulatória conhecida como Procedimento Uniforme de Revisão do Uso da Terra, ou ULURP, no acrônimo em inglês. Trata-se de uma sequência de ações de governo, definidas por lei, que são invocadas no momento em que uma mudança importante no ambiente construído de Nova York é proposta.

 

O ULURP pode ser descrito como um processo mediador que emergiu das batalhas épicas travadas na década de 1960 entre Robert Moses – o famoso e todo-poderoso construtor de pontes e rodovias urbanas que tentou assentar uma rodovia no bairro de Greenwich Village em 1962 – e Jane Jacobs, uma cidadã comum, autorretratada como uma "mamãe de óculos grandes" que agremiou seus vizinhos na luta de preservação de um lugar que tanto amavam. Ao cabo da grande contenda, ela venceu a disputa, tornando-se referência central do urbanismo e mãe do planejamento urbano comunitário.

 

O ULURP é em última análise a codificação do confronto entre forças “top-down” (de cima para baixo, de viés autoritário, emanadas do poder político ou econômico) e forças “bottom-up” (de baixo para cima, de corte cívico-participativo) que marcaram o embate urbano nova-iorquino durante décadas.

 

Estabeleceu-se com o ULURP uma disciplina processual que enseja a contraposição de visões oficiais, interesses de mercado e comentários públicos vocalizados em audiências abertas que têm por meta a construção de uma solução de compromisso ao final de um prazo de vários meses.

 

Tal mecanismo representou um avanço regulatório crucial para a reconstrução do tecido urbano e social de Nova York. O ULURP, afinal, é mais do que um procedimento de planejamento. Ele deu voz aos despossuídos enquanto demandava respeito dos poderosos e, em que pese a sua relativa morosidade burocrática, reconstruiu a confiança entre a cidade de Nova York e seus cidadãos.

 

Credit: Alexandros Washburn, The Nature of Urban Design (Island Press, 2013).

Quatro décadas mais tarde, São Paulo finalmente formula e regulamenta um instrumento urbanístico equivalente ao ULURP, o PIU (Projeto de Intervenção Urbana), instrumento criado no Plano Diretor Estratégico de 2014 com vistas a possibilitar a proposição e a discussão de projetos urbanos. Embora derivado de um processo histórico distinto, o PIU, tal como o ULURP, estabelece um procedimento para que forças privadas, comunidades e a autoridade pública possam alcançar, na modelagem dos projetos urbanos, um equilíbrio entre interesses eventualmente conflitantes, por meio de ajustes dos parâmetros e regras aplicáveis ao projeto pretendido.

 

PIU e ULURP, além de sedimentarem vetores “top-down” e “bottom-up”, permitem que as regras dos planos diretores e zoneamentos, na escala da cidade, sejam ajustadas e adaptadas para a escala do bairro, numa plataforma transparente de debates e de negociação capaz de destravar e impulsionar o que é melhor para a vizinhança no contexto da cidade.

 

O PIU permite singularizar um território, promover recortes espaciais específicos, e é assim um instrumento complementar e de detalhamento da visão inevitavelmente genérica do plano diretor. Instrumentos como o PIU e ULURP são fundamentais para a tarefa de construir nossos bairros e, nesse sentido, a conquista do PIU em São Paulo não deve ser minimizada.

 

Na administração de Michael Bloomberg em Nova York (2002-2013), o processo de planejamento urbano encontrou um equilíbrio dinâmico. Os grupos comunitários ganharam força e buscaram uma visão de futuro. O governo recuperou sua confiança e capacidade de promover e gerenciar mudanças. As forças "de cima para baixo" e "de baixo para cima" mostraram a que vieram e exibiram confiança em suas respectivas capacidades. Descortinou-se na cidade uma nova era: um ciclo virtuoso.

 

Com a estrutura do PIU bem definida, São Paulo parece encontrar o ponto de equilíbrio e o caminho da virtuosidade. Claro, trata-se de uma  ferramenta em teste e, como toda ferramenta, não tem valor absoluto, mas pode ser ressignificada pelas suas formas de uso, sobretudo se as forças de governo, de mercado e da sociedade aplicarem o mecanismo não como uma plataforma de confronto, mas como um procedimento para traduzir no espaço o que todos os paulistanos sabem em seu íntimo: que somos todos vizinhos nesta grande cidade, e que devemos deixá-la para nossos filhos num estado melhor do que ela se encontra hoje.

 

Alexandros Washburn foi o chefe de desenho urbano de Nova York durante a administração Bloomberg entre 2007 e 2013.

Philip Yang é fundador do Urbem – Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole.

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